Quando me encantei pelo Tribal em 2003 e decidi que iria estudá-lo
esbarrei no meu primeiro obstáculo: a inexistência de professores no
estilo. Até então só havia um grupo em todo o Brasil chamado Cia Halim,
na época, dirigido pela Shaide e Fernando Reis, e sediado em São Paulo
capital. O grupo experimentava a fusão do vocabulário indiano e
flamenco com a dança do ventre, trazendo uma semelhança de vestuário
com o ATS, porém mantendo características mais particulares. Falava-se
em Tribal Brasileiro, devido às adaptações que o estilo trazia do que
chamamos Tribal Americano (American Tribal Style).
Em
2005 convidei a Shaide e o Fernando a ministrarem workshop em minha
cidade, João Pessoa, e isso atraiu praticantes autodidatas e curiosos
de todas as áreas de dança do Nordeste. No workshop, os professores
frisaram a importância de se estudar o flamenco e a dança indiana, além
da dança do ventre, por serem esses os pilares do Estilo Tribal
Americano, uma vez que não tínhamos no Brasil professores de ATS. Eles
também abordaram o assunto do Tribal estar focado nas danças étnicas e
que um estudo das danças brasileiras cairia bem ao estilo. Isso acendeu
uma luz na minha caminhada.
Em 2003 eu estudava
Dança do Ventre com uma professora, chamada Ismália Sales, que nos
trazia movimentos das Danças dos Orixás e chegamos até a montar um
espetáculo fusionando movimentos da dança de Iansã, Iemanjá, Oxum aos
nossos conhecidos movimentos orientais. O estilo era chamado por ela de
Dança do Ventre Experimental, mas para mim ainda faltava algo que
fizesse a liga, que unisse as duas formas de expressão Afro-Ventre em
algo com uma só leitura, e que ao mesmo tempo trouxesse uma linguagem
múltipla.
Iniciei uma pesquisa comparativa de
ritmos e danças Orientais e Ocidentais, juntamente com os músico Magno
Job e Victor Ramalho, observando a cadência, tempos, acentuações de
diversos ritmos. Estudei as danças brasileiras em foco comparativo e
extraí pontos convergentes entre as nossas danças e as danças do
Oriente Médio. Dessa pesquisa, resultou meu livro Dança do Ventre, Da
Energia ao Movimento, publicada pela Editora Universitária da Paraíba
em 2004. No livro em questão, descrevi a trajetória de cerca de 200
movimentos com algumas ilustrações no intuito de que eu pudesse ir
comparando depois com as danças afro-brasileiras e populares. A edição
desse livro está esgotada desde 2007.
Nesse
processo, conheci o músico João Cassiano que passou a fazer parceria
nessa pesquisa e juntos estabelecemos as correlações entre, por
exemplo, Malfuf e Coco de Embolada, Soudi e Baião, Karatchi e Ijexá,
Bambi e Samba Reggae. Surgiu como resultado dessa busca o termo Tribal
Brasil para denominar os movimentos que eu passava a fusionar. Aulas de
Afro tornaram-se necessárias e a professora Luiza Regina se agregou ao
projeto. Os encontros aconteciam aos sábados durante os ensaios da
Lunay, grupo que fundei em 2003 e que desde sua fundação abordou a
Dança do Ventre em um caráter regional, utilizando músicas nordestinas
em seu repertório, buscando uma maior identidade com nosso público e
entendendo a semelhança cultural devido às heranças do Oriente deixadas
aqui por nossos colonizadores.
Por estarmos tão
envolvidos pela pesquisa rítmica, sentimos a necessidade de
estruturarmos o primeiro espetáculo de Tribal Brasil da Lunay com música
ao vivo. Chamou-se De Corpo e Alma, sendo a música a alma condutora de
toda a movimentação. Para tanto, o grupo passou a ter aulas de
percussão com João Cassiano e Veronica Alves, que também passou a
integrar o corpo de dança da Lunay na época. Além de termos Roberto
Sansão também integrando como músico. Em 2006 pudemos apresentar nosso
primeiro resultado desses estudos, ainda com forte peso do ATS/ITS,
trabalhando com base no improviso dirigido através de sinais sonoros e
gestuais, com uma música totalmente orgânica que em momentos era
pré-estabelecida, em outros, totalmente improvisada.
O
resultado foi muito bem aceito na época e logo os primeiros
admiradores do estilo começaram a surgir, querendo saber do que se
tratava, de como também poderiam trabalhar de modo semelhante. Assim,
os primeiros convites para workshops começaram a surgir e, em 2006, fui
convidada a levar o Tribal Brasil para a Argentina, através de Rita
Andriossi. Lá, ministrei duas aulas para professores que até então
haviam ouvido falar muito pouco do Tribal. Conheci Osvaldo Brandan,
grande maestro da musicalidade Árabe, no qual pude falar sobre a
pesquisa comparativa que realizava e através dele consegui muito mais
embasamento para o que buscava estruturar. Retornei ao Brasil após um
mês, com muitas respostas sobre o que estava buscando e definitivamente
decidi estruturar o Tribal Brasil e ser uma divulgadora do estilo.
Em
2007 outros músicos se somaram ao projeto, Victor Alfonso e Mariana.
Na época, o Magno estava de mudança para Natal por ter entrado para a
Orquestra Sinfônica dessa cidade e tivemos de fazer diversas
adaptações. Nessa experimentação, montamos novo espetáculo Ventre e
Tribal como resultado da comparação dos ritmos Orientais e Ocidentais. A
partir de então começamos a perceber que nosso repertório de
movimentos começava a ficar escasso, acabávamos nos repetindo. Algumas
dessas repetições foram batizadas com nomes de movimentos que usamos
até hoje na Lunay e as utilizamos principalmente para improvisos, algo
na linha Combo Based, combos já pré-estabelecidos que podemos utilizar
em ritmos 4/4, por exemplo.
Mas esse repetir-se
gerava uma angústia, uma vontade de fazer diferente. E dessa necessidade
surgiu o Cultura em Movimento, em 2008. Esse projeto visa trazer
diversas Danças Étnicas ao nosso repertório. De dois em dois meses
convidamos um professor de uma modalidade diferente para nos trazer algo
novo e assim já pudemos estudar Popping, Odissi, Flamenco, Cavalo
Marinho, Afro, Cigana, Havaiana, Coco de Roda e de Umbigada, Kuduro,
Capoeira, Maracatu, Frevo, Tango e tantas outras danças que nos servem
de base até hoje. Entendendo, construindo e desconstruindo para surgir o
novo; esse é meu pensamento primordial. Como ser tão natural dançando?
Teríamos de trazer para nossa cena as danças que fizeram e fazem parte
da nossa construção cultural, que estão no nosso padrão físico e
colorem nosso imaginário. E trouxemos!
Em 2008
montamos Troupiniquim, e por hora me satisfiz com a linguagem
estabelecida. Brasilidade na música, no corpo, no figurino e na
cenografia: xita, céu azul, xilogravura, coco, maracatu, frevo, pífano,
zabumba, cestos de vime, luz de candeeiro, aromas de cravo e canela e a
naturalidade bela da mulher nordestina que encanta só de se ver
passar. Tudo isso fusionado com o chamado estilo Tribal. Esse
experimento nos rendeu o primeiro lugar em Dança na Mostra Estadual de
Teatro e Dança da PB, e representamos nosso Estado no Fenart. Nessa
época eu já ministrava workshops no estilo em todo o Brasil, despertando
a curiosidade em unir a admiração pelo que vem de fora, como por
exemplo o Tribal Fusion, com o que está tão perto de nós como as danças
afro brasileiras e populares.
A falta de
professores regulares de Tribal sempre me angustiou e, na falta, passei
a fazer aulas regulares de Flamenco com Beatriz Betcher, de Dança de
Rua com Vant Vaz e Percussão com Eli Porto. Processar o conhecimento e
adequar à minha forma de pensar a arte se tornou meu prazer predileto.
Aos poucos fui percebendo que essa ausência de professor regular de
Tribal me fez criar e gerar um estilo totalmente novo, com uma
abordagem única, unindo a corporeidade de diversas danças com o ATS/ITS
e o Tribal Fusion, mas de um modo autêntico.
Em
2010 tive a oportunidade de gravar um DVD de vídeo aula de Tribal
Fusion e Brasil, pois nesse ano eu já não conseguia dar vazão aos
convites para ministrar aulas em outros estados. O vídeo me pareceu uma
excelente opção. Convidei o DJ Chico Correa e o músico João Cassiano
para integrarem o projeto e tivemos um excelente resultado. O DVD
esgotou no mesmo ano e novos horizontes foram surgindo. Até que recebi o
convite para ministrar workshops de Tribal Brasil na Flórida, no
Spirit of The Tribes, evento produzido por Maja Nile e que, no ano em
questão, comemorava os 10 anos de existência do estilo Tribal Fusion no
mundo.
A receptividade no evento foi acima do
que eu esperava. Tive entrevista de página dupla na revista Yallah
Magazine, contei com a participação de Anasma em minha aula, que se
apaixonou pelo estilo, recebi os comentários mais carinhosos da
Ariellah Aflalo ainda nas coxias assim que saí do palco, o que, para
mim, foi uma das maiores recompensas do meu trabalho. Admiro demais a
Ariellah e estudei muito sua dança, minha eterna inspiração... e de
repente ela estava ali me dizendo que tinha viajado na minha dança, no
meu estilo, que era forte e original, que eu era uma grande
dançarina... eu não queria mais nada. Pra mim já estava perfeito. Até
que apareceu ainda John Compton elogiando o Tribal Brasil, minha
performance em cena, e daí não aguentei de emoção. O Hahbi'ru foi o
primeiro grupo de Tribal que assisti na vida, e creio que no mínimo umas
80 vezes assisti o mesmo DVD que guardo carinhosamente até hoje.
Ganhei suas aulas gratuitamente e lá estava eu, estudando, trocando
informação com meus mestres que pareciam tão distantes, querendo me
ouvir falar das Danças do Brasil, das semelhanças e diferenças.
Inesquecível. Mas para completar ainda fui convidada a dar entrevista
para uma TV local, para ser jurada da mostra competitiva de Tribal e
para improvisar ao som da banda californiana Danyavaad. O público
recebeu com muito entusiasmo, ministrei duas aulas de Tribal Brasil,
uma delas com percussão ao vivo, abordando a pesquisa comparativa de
ritmos e suas possíveis utilizações no Tribal.
Hoje,
a informação nos chega com maior facilidade, assim como a produção de
workshops com bailarinas internacionais acontecem com maior
intensidade, chegando muitas vezes a ser difícil de escolher com quem
estudar. Já trouxe, em parceria com a BeleFusco, a Sharon Kihara (US)
para João Pessoa, onde a mesma ministrou 10 horas de aula; e já pude
participar de diversos eventos estudando com nomes como Mira Betz,
Ariellah, Mardi Love, Tjarda, Unmata, John Compton, Moria, Kami,
Anasma, Lady Fred, Dalia Carella, Megha Gavin, Jill Parker, entre
outros. E isso só nos dá mais base para podermos construir e
desconstruir com mais propriedade, com segurança do que deve ser
adaptado ou não, até onde podemos ter a licença poética para
recriarmos, reescrevermos deixando nossa marca.
O
Tribal Brasil prosperou tanto que diversos grupos e solistas passaram a
experimentar o estilo, dentro e fora do Brasil, acrescentando suas
personalidades e agregando valores diversos. Dessa observação, surgiu o
projeto Caravana Tribal Nordeste, idealizado por mim e Bela Saffe e
que hoje se encontra no seu terceiro ano de execução. Em 2010 e 2011
contemplou os estados da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e
Bahia. Trazendo inclusive nomes internacionais como Sharon Kihara, Mira
Betz e este ano Emine Di Cosmo em João Pessoa e Anasma em Salvador. A
Caravana é uma forte divulgadora e fomentadora do estilo Tribal Brasil,
pelas oficinas que proporciona de danças populares e afro-brasileiras,
assim como a mostra de dança com as produções desenvolvidas.
Paralelamente a Lunay continuou a desenvolver o estilo através da
montagem de mais dois espetáculos, Caravana e Tribal Brasil, sendo
contemplada com os mesmos nos Editais da Prefeitura Municipal de João
Pessoa e Governo do Estado da Paraíba em projetos como Circuito
Cultural das Praças, Festival de Artes de Areia, Fundo Municipal de
Cultura.
Em Lima, Perú, o Tribal Brasil abriu uma
nova possibilidade criativa – fez com que as bailarinas de lá se
animassem a desenvolver o estilo Tribal Perú. E me senti honrada em
fomentar esse desejo e orientar como que elas poderiam aprofundar esse
estudo. O Tribal Brasil serviu realmente de ponto de partida, de
diretriz para que elas desenvolvessem lá algo com a identidade delas.
Auxiliei na primeira composição coreográfica de Tribal Perú, na Escuela
Luna Dance, onde as bailarinas foram me mostrando movimentos de danças
peruanas, assim como músicas, e juntas, fomos esboçando o que poderiam
adaptar até elas entenderem como realizo isso com o Tribal Brasil.
As
inquietações são sempre presentes, creio que um estilo nunca se
apresente como pronto, pois assim sendo penso que ele já nasceu morto. A
vida exige evolução, transformação sempre. E acreditando assim,
convidei Guilherme Schulze, professor adjunto da Universidade Federal
da Paraíba e Doutor em Estudos da Dança pela Universidade de Surrey –
Inglaterra para desenvolver um trabalho junto à Lunay. Bailarino e
coreógrafo, Guilherme trabalha, entre outros métodos, com Laban,
compreendendo o movimento através de seus quatro fatores - força,
tempo, espaço e fluência. Sua aplicação aos processos coreográficos que
vem sendo desenvolvidos pela Lunay tem como objetivo contribuir para a
ampliação dos horizontes criativos e, consequentemente, das
possibilidades expressivas do estilo Tribal Brasil. Já estamos em
parceria desde janeiro desse ano e os primeiros resultados já começam a
aparecer, caminhando para um fazer Tribal mais significativo e com
maior naturalidade e propriedade do movimento.
Vivo
o Tribal Brasil em total comunhão com minha vida pessoal. Não sei
dizer onde um começa e o outro termina porque para mim é comum ver
dança em tudo que faço, de uma roupa que lavo no tanque a um giro a pé
pela cidade, subindo uma ladeira do Centro Histórico ou estudando uma
sequencia de movimento para ser apresentada no palco. É tudo dança,
mesmo que não tenha intenção de ser. Sou uma eterna curiosa do
movimento, das sensações que ele nos pode trazer, das sensações que
motivam o movimento e ainda das impressões e sensações que causam a
quem vê. O Tribal Brasil que desenvolvo segue uma estrutura, uma linha
de movimento que abrange o vocabulário do ATS/ITS, do Tribal Fusion,
das danças do Oriente Médio, Flamenco, Indiana, Afro-brasileiras e
Populares, Popping e Contemporânea.
Para ser
Tribal Brasil precisa ter essa “liga” esse “amálgama” com o que é nosso
e isso deve perpassar pela dança, musicalidade e figurino. Não se
trata de ufanismo, xenofobia, bairrismo ou simples aversão ao que vem
de fora. Pelo contrário. Queremos incluir, somar, agregar. Os
movimentos por nós estruturados também trazem os traços dessa união na
nomenclatura como, por exemplo, Samba Fusion, Maraca’turn, Iemanjá
walk, Forró Shimmie, Frevo Jump #1, Frevo Jump #2.
Para
os que se interessaram pelo estilo, a Lunay ministra workshops ainda
este ano no Gothla Rio, em Buenos Aires no evento Tribalópolis II, no
Fendafor em Fortaleza, no Vitrine Tribal em Brasília, no Aperfeiçoarte
em São Luis do Maranhão, na Caravana Tribal Nordeste em Recife, na
Semana Tribal Peru com Helm em Lima, entre outros.
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